E DEPOIS DO ADEUS

Thursday, November 19, 2020

 

(PARTE I)

“As consequências dos actos estão contidas no próprio acto” - mencionou ela, enquanto esboçava um sorriso.
Ambos sabiam que por mais que lutassem, por mais que se esforçassem, a história iria irremediavelmente afeta-los. O medo do desconhecido era ao mesmo tempo aterrador e aliciante. A força que cada um trazia foi o que originou a faísca. Faísca essa que não era um fogo, mas sim, um mar e um céu. Os seus significados dependiam dos actores. Um vivia com uma passada forte, estável e seguro, sentindo bem a terra por entre seus dedos dos pés. O outro, estendia bem as asas para sentir o ar quente e elevar-se bem alto de onde conseguisse ver o horizonte. Ambos tinham um caminho sem nunca se cruzarem até então.
A sua história era tão comum, quanto era de extraordinária. Do céu acredita-se que se é livre. A verdade é mais cruel do que se consegue ver. O chão por sua vez, ajudava a enraizar a marcha. Afinal, seja a trote rápido, seja lento, era o sustento de todas as indefinições.
As asas nem sempre estiveram abertas e o vôo muito menos era ligeiro. No inicio eram como velas de barco. Fortes e potentes, permitindo deslocar-se como se flutuasse. A brisa quente possibilitava vôos mais longos para locais longínquos. Não foi até ser forçado para fora do ninho que a sequência de acções se tornara irreversível.
O primeiro bater violento para o precipício foi o momento menos assustador a enfrentar. Ao se projectar para o desconhecido, com uma crença inabalável, de fazer e poder tudo que valesse a pena, verificou que o que lhe tinham explicado, não era exacto. A emoção era mais do que uma característica. Era o que lhe originava o bater de coração. A faculdade de discernir a pequena subtileza, a pequena mudança. que era sentir, conferia-lhe a energia para olhar o horizonte com a mesma convicção que olhava a terra e o mar.
Era pouco antes do crepúsculo quando a emoção o desequilibrou. De frente a si, via outro ser voante a parecer. Incrédulo com o que observara, questionava-se o que teria acontecido. Afinal tinha sido esse ser que o ensinara a sentir. De inicio não ligara e não se preocupara.Bastaria um pouco mais de firmeza e uma boa corrente de ar quente para, novamente, se elevar e perscrutar o além. Sonhar com o desconhecido e o incerto era o seu maior e talvez verdadeiro, desejo.
Acreditando que nada de mais puro existia do que o sonho, viajou a muitos locais. Com relativa facilidade em se integrar, fê-lo reconhecer como era não só lícito, como deslumbrante, isto a que chamavam de “viver”. Aproveitou tanto quanto conseguia beber desta fonte de energia inesgotável. Nem sempre o plano era calmo. Teve, surpreendentemente, para a sua tenra idade, mais contratempos que imaginaria. Houve um momento em que se deixou ficar. Não se recorda por quanto tempo, mas foi o suficiente para se acomodar. A sua pureza de fé e de ideais, surgia como um ultraje a quem não acreditava mais. Devido a isso, acabara por sofrer. Uma vez mais mentiram-lhe. A emoção de perda não era agradável e relembrou o que se sucedera. Uma espiral de infortúnios, levaram-lhe, desde então, a olhar por cima da asa. Não descansava, nem confiava. Passou a fitar mais o chão, aquela massa estranha que debaixo dele pairava continuamente.
Uma luz negra aos poucos, ocupava o lugar que antes estava repleto de emoção. Por entre pingos do tempo, o seu bater de asas tornou-se pesado e desconfortável. Passou a fazer da sombra a sua companheira e confidente. Sem notar , e muito menos sem compreender, tornou-se sisudo, desconfiado e muito pouco dado a conversas. Os dias passavam e o seu voar, cada vez mais errante, levava-o para locais inóspitos e perigosos.
A dureza do solo é a primeira memória que diz ter. Mas afinal é a dureza e o cheiro. Desde que se recorda que adora sentir o sol dar-lhe as boas-vindas e o vento as boas-novas. As pernas, inicialmente trémulas, ganhavam cada vez mais certeza. Todos em seu redor ajudavam e presenteavam com novidades distantes. O inicio não fora muito conseguido. Poder-se-ia dizer que o livro ficaria sem ordenação nas páginas. Algo maior, no entanto, entendeu que não seria assim.
À medida que os instantes se sucediam, também a ligeireza do passo aumentava. A habilidade para que todos os momentos fossem agradáveis, atraía todos em seu redor. A conversa era fácil e a ocasião suficiente. As experiências eram em catadupa, como também os ensinamentos. A vontade de experienciar, de absorver, de conhecer, de sentir estava acima de qualquer outro.
De salto em salto, de esforço em esforço, o vento sorria-lhe, o sol abrilhantava o caminho e a chuva limpava a poeira das incapacidades. Sentia-se livre e aí prostrou a sua alma. Tinha especial interesse em observar o céu, sempre que o seu espírito se apaziguava. Questionava-se, muito raramente, como seria voar. Fitava, aqueles, que lhe pareciam seres mágicos e inacessíveis. Curvava-se quando rasavam a superfície. Tudo naquelas formas estranhas a fascinavam. Sem muito entender, notou que nem todos eram iguais. Mas aos seus olhos todos eram incompreensíveis.
Num tenebroso e cinzento dia, sentiu uns olhos no escuro a mirar. A curiosidade, genuína, de quem quer sorver tudo o que existe, origina uma verbalização - “Porque me encaras assim? Vem sentar-te a meu lado” - Nada. Silêncio apenas e um olhar que mais parecia fazer pontaria. Decidiu e aproximou-se. O que vira era surpreendente. Um daqueles mágicos seres, decidira pousar de perto. Deleitou-se e encantou-se com o requinte e perícia do que vislumbrava. Seguiram-se momentos de prosa e de prazer que arrebatavam o chão e faziam levitar. - “Estou a voar! Estou a voar!” - exclamou em viva voz. Nesse mesmo instante um medo avassalador, trespassou-lheo peito. - “Oh! E agora, como faço para voar?!” - Perguntou ao ser mágico. E uma vez mais nada… Silêncio aterrador... Ao observar aquela dança à superfície, as suas asas abriram-se e esvoaçou até encontrar uma confortável posição para examinar o que se passava. Estava cansado e as suas feridas afligiam-no o suficiente para aceitar aquele descanso. Não entendia muito sobre dança, menos ainda sobre “estes bichos” do solo. Aceitou no entanto, que era ali que deveria permanecer.
O desejo e incerteza tomavam conta do seu bico. Não conseguindo mais conter, dispôs-se a comunicar. - “Olá! Porque danças tu?” - Num susto, fechou-se aquela criatura terrestre.- “Quem és tu? Estás aí há muito? És amigo deste outro ser?” - interrogou com voz austera. - “Desculpe! A que se refere? Cheguei há pouco e decidi descansar as minhas penas. Sou amigo de quem? Não entendo!? Está aqui outro terrestre que não veja?” - retorquiu num sereno, ao mesmo tempo que cuidava das chagas. -“Como? Estás a brincar? Este amigo atrás de mim!!!” - e foi nesse momento que ao virar, notou que o que ali tinha estado era um espelho
... (FIM PARTE I)

0 dizeres sobre o mundo...: